segunda-feira, 30 de julho de 2012

Pressa

Tenho tanta pressa
de te dar as mãos
de pintar o teu rosto numa tela
de ver mais fundo o aroma do teu olhar.

E então eu
de mãos ásperas e cansadas
pela tinta de óleo pingadas
olho em frente à procura da paz do teu olhar.

Tenho tanta pressa
E vejo que o tempo está contra nós
E eu nunca mais me decido
Se vou ou não fugir contigo
E perturbar o vento com mais força
Junto a ti
Cheia da vida que vai engrandecer a minha.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Oy Planalto


Este vento
Que me traz o tenor
Canto de Novembro
Este vento que me dá o cheiro e o alvor
Da vida bela e franca de que me lembro

Este vento isento
Que não muda de rumo
Que não vacila sem chama
Nem se esbarra no fumo
Este vento livre
Que me muda sem mudar
Que faz as nuvens passar
Que me revela o sol de Junho
Este vento
Que me toma o punho
E me esbofeteia se me cubro de desalento
E me levanta se pranteio e desisto

Este vento… não volta.
Não volta mais.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Yha



Una

Pele branca balcânica
Amarga do sol
Adolescência roubada
Na pele imaculada
Dos oitenta sem guerra
Pristina era a terra
E a torre mais alta fumou.


Horto de paixão

Ainda vou ter de subtrair-te da fotografia
Que eu deixei espalhada
Pela sala da ilusão
Na peça de teatro a tua roupa está fria
Estás de novo como actriz falhada
Numa novela da televisão.

Ainda vou procurar o âmago do teu perfume
Quando o encontrar hei-de o destruir
Perdoa-me mulher neste amor ao meu ciúme
Estava apenas a tentar cativar-te para te instruir.

Não sei mais se vale a pena a questão do amor e da ilusão
Duas chamas eternas assombram a casa
Uma quer ficar mas a outra não.
Arvora-se o mundo

A árvore é a mesma
Mas estas folhas são novas.
Filhas de novas ramas,
Beijadas por um efémero vento
Que estranhamente permanece.

A árvore é a mesma
E todos os anos as folhas são novas.

O prado reclama por evolução
Mas essa exige o desaparecimento
Do que não evolui mais
E o prado cumpre
E desterra o que sobeja

Encarecem-se muitas existências
Mas o tempo minora qualquer fogo.

A árvore já não sonha
E a folha nova é vulgar
O vento ainda traz no frete as lágrimas
Que fidelizam o crescimento
Da mesma árvore
De duras raízes que não sangram
Se cortadas.

A árvore está cadente
E as folhas verdejam ainda.

Aguarda o seu fim
Na certeza de ser inútil toda a sua sombra
Desde o dia em que teve como certa no seu pulsar
A total ausência de um caminho
Que debaixo das suas novas folhas passasse.

Ai árvore…
Já nem mesmo um pássaro nefelibata
Vem pousar nos teus ramos para defecar
Por não se encontrar ninguém à tua sombra.

domingo, 3 de janeiro de 2010


Insone

Quantas vezes quis ouvir e não soube escutar?
De quantas formas tentei reinventar o mundo?
Quantas foram as noites sem pestanejar?
Quantas vezes sonhei com a tona, acordado no fundo?

Quantas vezes mais me vou questionar?
Quantas vezes mais irei eu temer?
Se mesmo agora, ao definhar
Estou morto e finjo não o saber.

Talvez eu consiga negar
Ao facto eterno de desaparecer
Mas quantas vezes mais irei eu indagar

Pelo escuro poente que se tomba na luz
Que me rebenta em náuseas ao amanhecer
Numa monstruosa bebedeira, minha cruz.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009


Sobre Nuvens; Outubro, 2009; por Hugo Sanches


Trópico de câncer
Alucinado com os pés envoltos na lama
Grito dores grotescas que rasgam o nevoeiro
Que me oculta a dor que incendeia a cama
Onde se esvaiu o teu bater de alma derradeiro

Ainda quero abraçar a tempo à mágoa e ao lamento
E mutilar o meu sorriso residual e indulgente
Para me deleitar num torpor maligno e cinzento
Que me irá salvar de uma vida indiferente

Recuso aceitar. E recuso sonhar
Sonhar com esperança
Recuso estabelecer o nobre desiderato

Vou novamente cismar
Na vida breve da tua ansa
E insistir em amar um teu retrato.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009


Hugo Sanches, 2009

Amanhã todas as missas estarão vazias

Foi um facto terrivelmente injusto
Célebre indesejado
Um fardo sem ponderação, mas que pesa mais do que um sorriso,
E o sorriso tem desequilibrado o planeta,
Um fardo. Foi um fardo envenenado que incendiou homens
Que fez transbordar as margens fervorosas de um rio
Que nunca alcançará a foz
Foi um fardo doloroso. Indecoroso. Hediondo.
Uma deglutição que nos tirou a voz.
Foi um motivo execrável.
Foi uma injecção de lamento
Que ainda aguarda para ser metabolizada.
Foi um murro no estômago que passava fome havia seis anos
E sede desde que compreendera que a emoção equilibrava o sorriso
E que o sorriso equilibrava o planeta.
Foi um buraco negro. Uma cova. Um funeral.
Foi uma dor sem igual
Que fez com que ninguém mais, nunca mais
Indubitavelmente
Incomensuravelmente!
Volte a ir à missa

domingo, 29 de novembro de 2009


Por Hugo Sanches, Novembro de 2009, Covilhã
OBLIVION
Peço perdão porque
Magoo a quem me ama, amará e amou.
Sou o esquecimento quando me recordam
Sou o desaparecimento quando me procuram
E a sombra eterna quando me iluminam.
Amo os vícios, a melancolia e ideais ridículos.
Amo os sonhos, os concretizados e os impossíveis.
Aos possíveis nunca tive.
Sou a serra que corta friamente todo o calor da minha vida
Rumo em direcção ao abismo, ao termo, à libertação.
Sou a mágoa dos outros, o bode expiatório, a justificação
O costas-largas, o estóico e o revoltado.
Sou capaz de mil talentos e cultivo apenas um
Oiço mil conselhos sensatos
E não sigo nenhum.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009


Esquizofrenias como folhas ao abismo

Já por várias vezes me tinha chamado Sr. Francisco
Aquele doente meu na psiquiatria
Mas eu sempre o corrigia
Mas ele reiterava-me como São Francisco Xavier e mais insistia
Pensava eu que era devido às minhas barbas descuidadas
Que aquele homem se confundia entre a sua psicose
E um dia cheguei de ventas lavadas
E mesmo assim me chamou de Francisco
E eu neguei o nome e reforcei o meu baptismo
E ele explicou-me a sua teimosia
Numa tese sobre o cataclismo
E uma cruz que eu supostamente traria
E que pesaria segundo ele, tonelada e meia
Ainda o tomei por válido e me fiz a mim doente
Mas numa última convulsão de tentar ser coerente
Procurei no Google a imagem do dito santo
E percebi que o meu rosto do dele é pouco diferente.

Mudo e mudo que não mudo que mudo e mudo imundo e mudo mundo

Castelão do silêncio

Celebro a vida com saudade dos ouvidos poluídos
Porque quando imundos ouvíamos
Aos gritos infames e a outros hediondos ruídos
As coisas no mundo aconteciam sem as podermos notar.

E assim não podíamos ouvir falar de fome nem de comida
E não nos afligiria nem a paz, nem a guerra, nem a doença.
E depois poderíamos celebrar com saudosismo à vida
Mas apenas tenho saudades dos ouvidos poluídos.

Dizem-me frequentemente que poderei enlouquecer
Se me continuar a percorrer de paz sonora.
Mas eu não os não oiço por querer.
Estou a ficar surdo… e mudo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

PARAMONTE

Não mantenho nem permaneço
Pois apenas amo o que esqueço.
E só o inalcançável me seduz
Mas quando o agarro e o mereço
Só ele chega para angústia e cruz…

quarta-feira, 11 de novembro de 2009



O Passeio

Voga destruído por dentro
Aquele que nada alcança
Porém perdido num estranho tipo de dança
Aparenta outro ânimo
Mas já nada ambiciona
Além do amanhã reduzido
Voga por dentro destruído
Aquele que já não tenta
E num sorriso que diariamente reinventa
Engana todas as pessoas que o admitem
E como alegre consideram firmemente
No seu sorriso já de penitente
E de lágrimas há muito desprovido
Voga por dentro destruído.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009


Cantiga Liberdade

Pomba branca, pomba branca
Quem te matou?
A bala no teu crânio;
Quem foi que a disparou?

Pomba branca, pomba branca
Àquele pombal foste morrer,
Onde jazem as pombas brancas,
Todas mortas ao nascer.

Pomba branca, pomba branca
Quem de branco te pintou?
Nasceste negra, azul, cinza e verde.
Mas foi a cor branca que te condenou.

Pomba branca, pomba branca
Bate as asas sobre o mar.
Foge do gume. Foge
Para nunca mais voltar!

Pomba branca, pomba branca...
Quem te matou?
A bala no teu crânio;
Quem foi que a disparou?


O tempo e retrospecção

Olhei para trás
E vi os que ostentam e os que se inventam
Olhei e vi uma multidão
Homens tristes que se lamentam
E poeiras do tempo que iluminam a escuridão
Vi um lugar que julguei esquecido
Outro muro aborrecido
E um sinal qualquer
Vi as entranhas da aparência
E a luxúria de um seio de uma mulher
Vi ainda o rumor da eloquência
Mas era apenas rumor
E mal se via
Vi o concreto esbatido em cimento abstracto
Vi a base e ainda mais o substrato
Olhei para trás
Na ânsia de ver o âmago da questão
E por mais que me afunde em reflexão
Suspeito de que afinal de contas não vi absolutamente nada.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O que está a acontecer

O mundo vive revoltado
Outro homem não nutriu um esfomeado
Líderes são estranhos da razão
Adolescentes confundem dinheiro com paixão
Outros pensam ser riqueza a ostentação
Nobres morrem sem os notar nenhuma multidão
Uns vão passando alegres por aparentar
Outros estão tristes por não passar
E a aparência parece ser tudo para os inseguros
E desajuízados e infantis são os puros
Gente conta segredos e conspira
Outra gente não faz absolutamente nada que se refira
Alguns pensam estar no caminho certo
Outros desistiram quando estavam tão perto
Meninas submissas outra vez
Homens superiores na grande pequenez
Sociedade viciada pelo sabor do lucro maioral
Crianças aprendem matemática e línguas num centro comercial
Um qualquer crítico passa o tempo a escrever
Quando ele próprio se deveria rever.
Políticos candidatos condenados
Estranhos cidadãos votam nos visados
Presos por roubar para comer
Ilibados outros que roubam por prazer
Cadastrados os que exibem a sua opinião
Elevados os que anuem a qualquer comum questão
Uns perdem sentido na vida
Outros rumam em contra-mão na avenida
Alguns bebidos fazem-se notórios
Os esquecidos ainda vão limpar os vomitórios
Putos traficam e são apanhados
Grandes patrões da droga vivem livres e engordados
Silhuetas femininas usurpam a noite fria
Romanos casados procuram mulheres em Pavia
Um terramoto abala uma cidade
Uma aldeia estremece com o abandono da jovem idade
Um qualquer crítico passa o tempo a escrever
Quando ele próprio se deveria rever.
Uma criança cai aos pés da fome
No campo de refugiados ninguém se lembra do seu nome.
Um médico acerta na injecção errada
Mas está tudo explicado e não passa de uma história mal contada
Uma mulher vê o marido chegar para lhe bater
Mas não faz mal por ela o merecer
O filho observa
Está a pensar em começar a fumar erva
Pessoas andam enganadas na vida
Pensam que singrarão, basta evitar a sida
Um esquizofrénico lamenta a morte de um dos seus egos delirantes
E meia gente vai ao funeral de moinhos de Quixote e Cervantes
Nesta vida há muitos inúteis e mais um não fará diferença
Por isso termino e vou carpir uma outra doença…

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Ao futuro

Chegou o dia de te falar
Sobre as indecisões da vida
Posso garantir-te que vai ser difícil viver
Quando o mundo parecer desvanecer
Mas não temas nunca por não encontrar a solução
Enquanto fores vivo, serás jovem e capaz
De ensinar e de aprender.
A juventude é relativa
Quando a idade parece passar rapidamente
Mas o que interessa é não contar o tempo de vida
E viver contando com o tempo
Sem nenhuma ideia contida
Não tenhas medo e poderás singrar
Sempre que o consigas nunca deixes de tentar
Na repetição da glória
Ou no contra-ataque da equipa que perde
Escreve tu a tua própria história
Sem temor de uma ou outra desilusão
Porque não deves deixar de ambicionar
Não deves deixar de te iludir
Que te derrube nenhum não
E começa já a sonhar
Agora mesmo e a seguir.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Não me deixes cair

Antes de eu morrer
Vem segredar-me ao ouvido
Os segredos que eu nunca te cheguei a revelar
E embala-me num conto sofrido
Onde a personagem que me representa
Possa por muitos anos continuar
Conta-me um conto sereno
Que me mostre um digno e pleno
Sentido de vida singular
E me permita encerrar os olhos
E me deixe os lábios cerzidos.
E selados por um beijo teu
Darão o silêncio que o agora me prometeu.
Antes de eu desaparecer
Faz-me desejar ficar
E prova-me que envelhecer
Foi mais uma batalha impossível de vencer
E que a morte é o armistício possível
E que a tua companhia tão apetecível
Irá na minha memória perdurar.

Corte Sempre Longitudinal

A tua mão encarnecida
Pelo sangue que jorra
Do teu pulso mole na vida
Que metade do mundo ignora
Alcança a paz eterna já a seguir
E num orgasmo puro irás sentir
A câmara lenta do teu coração
Esvoaçar para lá da tua mão.

A tua mão já caída
Sobre o chão que se alimenta
Do teu sangue sem vida
Que de morte nívea se acinzenta
Sente menos e friamente
Deixará de sentir mais à frente
No teu punhal perdido
Neste chão encarnecido.

domingo, 11 de outubro de 2009


Ambição / Manequins sem braços

Quero abraçar-te com os meus braços amputados
pelo frio da vida
E delegar a tua ambição
Numa eterna angariação
de coisas pequenas
E renovar os meus vícios difusos
Quando eu mesmo
careço de ambição.
Hei-de perpetrar os teus sonhos
Na tua Lua que cativo.
E cingir-me apenas às virtudes imprecisas
do meu beijo.
Peço-te apenas que me defendas
Dos ataques da indecisão
e logres talvez demonstrar-me
a essência da vida antiga.
Quero abraçar-te num último adeus
Para que não mais surja em mim
o estorvo eterno dos lustres
que consomem a chama da minha ambição
como se fosse apenas amiga minha,
A escuridão.